A hemerografia, caracterizada pelo estudo de publicações periódicas, como jornais e revistas, possibilita uma análise crítica dos dados, identificando tendências, mudanças de opinião, evolução de conceitos, entre outros aspectos relevantes para a pesquisa.
Olhar para o passado para entender o presente e, assim, tentar vislumbrar possíveis cenários futuros. A frase, dita pelo filósofo grego Heródoto, reflete uma das inúmeras perspectivas que a pesquisa hemerográfica pode trazer ao estudo que se pretende fazer. Contudo, antes de adentrar nas possibilidades de aplicação metodológica no campo ambiental, é importante entender que esse tipo de pesquisa, como explica Sampaio (2014), é aquela cujo suporte material se constitui de textos impressos, ou publicados por outros meios (como os virtuais), em forma de periódicos (jornais ou revistas) e que são utilizadas como fonte na pesquisa histórica.
Vale ressaltar que, antes considerada uma alternativa difícil – afinal, era preciso acessar os extensos arquivos de jornais em bibliotecas ou meios de comunicação – hoje a pesquisa hemerográfica pode ser realizada de forma otimizada e facilitada por meio de repositórios digitais. A Hemeroteca Digital Brasileira, administrada pela Fundação Biblioteca Nacional, é um exemplo de repositório digital que fornece acesso gratuito a jornais e periódicos científicos. Essa plataforma conta com publicações dos primeiros jornais brasileiros, datados de 1808, além de jornais extintos e outros que não possuem mais versões impressas.
O uso na pesquisa ambiental
Uma das possibilidades de utilizar a pesquisa hemerográfica no contexto socioambiental está no maior entendimento de como as discussões, condutas, atitudes e ações sobre o assunto se construíram ao longo do tempo. Para Gómez-Rodríguez e Reyes (2012), esse tipo de pesquisa oferece uma dupla oportunidade de obter dados (ao analisar como um artigo, um autor, uma coleção ou um determinado conceito se comportou) e conhecimento (como se integrou nos corpos de conhecimento atuais, se diluiu, ou como foi diminuindo ou crescendo ao longo de um debate).
Um exemplo prático dessa aplicação pode ser observado nas matérias a seguir. A Hemeroteca Digital Brasileira disponibiliza a busca em seu repositório por palavras-chave, período, local e/ou veículo, permitindo encontrar informações relevantes sobre um tema específico. Para ilustrar, selecionou-se o termo "proteção florestal". O termo foi escolhido levando em consideração sua abrangência em diversas épocas. Abaixo, alguns resultados que surgiram.
A reportagem, datada de maio de 1914, foi publicada pelo extinto jornal A Noite do Rio de Janeiro e trazia em suas linhas discussões sobre a utilização de penas na confecção de chapéus. O texto traz dados sobre a indústria da época, o valor que ela movimentava, o número de funcionários envolvidos nesse ramo e ainda a preocupação de zoologistas com o possível desaparecimento de certas espécies de aves. Ao mesmo tempo, o autor do texto tenta tranquilizar as mulheres, ao afirmar que os “processos inventivos” poderão criar alternativas para que elas não fiquem sem as penas em seus acessórios. O autor, que não assina o texto, finaliza apontando que talvez essa seja só mais uma época da moda e que a Sociedade Protetora da Natureza possivelmente terá algo para se preocupar no futuro.
Em dezembro de 1933, um pouco mais de 15 anos após a reportagem anterior, é possível perceber que a preocupação com a exploração florestal no Brasil já ganhava contornos um pouco mais sérios. Na reportagem do Jornal do Brasil, Affonso Costa traz um discurso que ainda é possível ver atualmente: o do uso dos recursos naturais em prol da economia e que “explorar não é devastar”. Costa ainda pontua algumas legislações ambientais da época, como a lei de replantio e construção de “matas econômicas de capacidade produtora” – para atender a necessidade das locomotivas – e ainda o anúncio do primeiro código florestal brasileiro, que entraria em vigor em 23 de janeiro de 1934, um pouco mais de um mês depois da publicação da reportagem.
Os dois exemplos citados evidenciam as viabilidades de análise acerca do estudo de abordagens ambientais ao contemplar o passado, possibilitar analogias com o presente e vislumbrar o futuro. É importante destacar que a ilustração exposta se trata somente de uma amostra das diversas oportunidades de emprego dessa metodologia no campo ambiental. Afinal, ao examinar o discurso, os temas, os atores da época, as dinâmicas de debates, dentre outros elementos, podemos identificar indícios sobre como a problemática ambiental foi gradualmente sendo construída no contexto brasileiro.
Contudo, Seibel (2013) aponta que nem todos os estudos de pesquisa são pertinentes à técnica da pesquisa hemerográfica, uma vez que há temas que já se encontram sistematizados em trabalhos acadêmicos convencionais, e, portanto, essa técnica pouco acrescentaria nesses casos. Então, quando utilizá-la? O autor explica que a pesquisa hemerográfica pode se mostrar relevante em situações que abordam fatos que geram polêmica e são alvo de discussões públicas.
Atenção ao aplicar a técnica
Apesar das vantagens que a técnica traz, ela também se apresenta com alguns pontos que precisam ser levados em consideração. Alguns deles, são:
Discurso do veículo: Como qualquer outra fonte de informação, as publicações periódicas podem estar sujeitas, como destacado por Krippendorff (2013), a erros factuais, interpretações tendenciosas ou informações enganosas. Além disso, as publicações podem ser influenciadas por pressões políticas, econômicas e sociais, que podem afetar a objetividade e a imparcialidade da cobertura de notícias.
Visão mais limitada: Uma única publicação pode não fornecer informações completas sobre um evento ou tópico e pode ser necessário consultar várias publicações para obter uma imagem mais completa.
Variação na linguagem e estilo: os periódicos podem variar amplamente em termos de linguagem e estilo de escrita, o que pode afetar a forma como as informações são interpretadas e analisadas.
Em resumo, a hemerografia é uma ferramenta valiosa para os estudos ambientais, fornecendo informações importantes sobre a cobertura da mídia em relação ao assunto. Entretanto, é importante lembrar que os dados coletados devem ser complementados com outras fontes, como pesquisas já realizadas, documentos técnicos e dados de campo, para uma análise mais completa e precisa. Além disso, a utilização de uma abordagem multidisciplinar pode ser de grande ajuda para o estudo do ambiente e suas particularidades, integrando conhecimentos e perspectivas de diversas áreas para uma compreensão abrangente e mais aprofundada.
Referências
GÓMEZ-RODRÍGUEZ, Gabriela; REYES, Rodrigo González. The construction of a hemerographic literature review. An example from the concepts of fake news, post-truth, and misinformation in the Web of Science (WOS) environment. Vivat Academia. Revista de Comunicación, n. 155, p. 69-90, [s.l.], 2021. Disponível em: https://www.vivatacademia.net/index.php/vivat/article/download/1335/2283/6213
KRIPPENDORFF, Klaus. Content analysis: an introduction to its methodology. 3rd ed. California, CA: Sage Publications, 2013. Disponível em: https://www.daneshnamehicsa.ir/userfiles/files/1/9-%20Content%20Analysis_%20An%20Introduction%20to%20Its%20Methodology.pdf
SAMPAIO, Willian do Nascimento. Reflexões sobre fontes hemerográficas na produção do saber histórico: sugestões para o trabalho historiográfico. Revista de História Bilros, v. 2, n. 2, 2014. Disponível em: http://seer.uece.br/?journal=bilros&page=article&op=view&path%5B%5D=960
SEIBEL, Erni José. Pesquisa Hemerográfica: metodologia. In: Disciplina: Análise e Avaliação de Políticas Públicas. Florianópolis, 2013. Disponível em: http://www.nipp.ufsc.br/files/2013/06/Metodologia-paraPesquisa-Hemerografica1.pdf
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