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Grupo de Estudos Interdisciplinares em Ciência e Tecnologia

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Random Nature: o Efeito Morcego e a revanche da mãe Gaia

Atualizado: 12 de jan. de 2023

Rodrigo Ramírez Autrán
Doutorando
Departamento de Política Científica e Tecnológica
Unicamp

 

“A presença de um grande reservatório de vírus do tipo SARS-CoV em morcegos-ferradura, juntamente com a cultura de comer mamíferos exóticos no sul da China, é uma bomba-relógio … A possibilidade do surgimento de outro SARS causado por Novos coronavírus animais não devem ser descartados. Portanto, é necessário estar preparado.” [VINCENT, C. et al. 2007]

O fato pode parecer irrelevante e anedótico, mas não é nem minimamente: um homem na China janta sopa de morcego e você, todos nós, ficamos em quarentena durante vários meses. No final do ano 2019 um homem de 55 anos, trabalhava como pedreiro da construção em Hubei província da China Central[i]. No final da jornada laboral, ele vai jantar, na feirinha de mariscos, naquelas famosas barraquinhas nas ruas chinesas uma deliciosa sopa de morcego. Dias depois aquele homem, até agora desconhecido, vai se tornar o mítico paciente zero, e nas seguintes semanas as consequências globais serão desastrosas: a primeira quarentena global da história; o Efeito Morcego.

O Coronavírus–SARS-CoV-2, é nomeado pela mídia norte-americana como Wuhan Vírus, pelo seu surgimento na cidade de Wuhan capital da província de Hubei. Ao mesmo tempo a pandemia, como expressão quase mundial, se encaixaria na categoria analítica sociológica de fato social total (LEVIS-STRAUSS, 1991), ou seja, fenômeno que expressa a coincidência, dentro dos atos individuais, do sociológico (sincronia), com o histórico (diacronia) e com o fisiopsicológico, na totalidade da experiência humana.

Apesar da enorme quantidade de fake news e histórias de conspiração desde vários lados antagonistas, como entre os norte-americanos e chineses, estudos científicos sólidos descartam que o novo coronavírus seja uma arma biológica projetada, lançada intencionalmente ou por acidente: “… nossas análises demonstram claramente que o SARS-CoV-2 não é uma construção de laboratório nem um vírus deliberadamente manipulado”, nos diz o professor da Universidade de Sydney Edward C. Holmes, um dos maiores especialistas do mundo no novo patógeno[ii].

A pandemia mundial do coronavírus obrigou grandes centros urbanos do o mundo a realizar quarentenas forçadas. Com as ruas vazias, começou a surgir um fenômeno interessante: animais selvagens são vistos em várias cidades, aproveitando a ausência de humanos[iii]. Durante as primeiras semanas de quarentena na Europa, distintas imagens circularam na internet, sugerindo ruas vazias e a ausência total de serviços turísticos, ou fotografias aéreas de zonas que, antes desmatadas, tornaram-se novamente verdes.

Embora alguns supostos avistamentos que se tornaram virais nas mídias sociais como golfinhos em Veneza e leões na Rússia sejam falsos, alguns animais estão realmente se beneficiando da ausência de humanos compartilhando seus espaços[iv]. Uma das imagens que mais agitaram as mídias sociais foi a dos canais de Veneza, onde foram mostradas não apenas a drástica mudança de cor de suas famosas águas, mas também o aparecimento de espécies de aves que aparentemente não pertencem àquela região[v].

Direitos reservados ao autor

Nas semanas próximas do início da pandemia, achamos um sem número de relatos na internet que mostram “a vida selvagem dominando os nossos habitats urbanos”. No The pandemic in pictures: how coronavirus is changing the world[vi] da Nature, apresentam-se imagens de mais de 1000 cervos que perambulam nas ruas vazias na cidade japonesa de Nara, ou gigantescos rebanhos de cabras monteses nas regiões urbanas de Gales.

Sem hordas de turistas que voam para as costas de Odisha, na Índia, e sem caçadores furtivos que costumam caçá-las nesse período, as tartarugas marinhas (ameaçada de extinção) da espécie Olive Ridley retornaram em centenas para fazer seus ninhos nos dias de hoje nas praias de Gahirmatha e Rushikulya Rookery[vii]. Outras matérias dos jornais mostravam ursos e lobos passeando livremente na 5ª avenida em New York, aves no centro de Paris e nos shopping centers das grandes capitais mundiais, inclusive a aparição de 100.000 flamingos na região metropolitana de Mumbai, na Índia.

Por exemplo, na década passada estudos sobre as zonas de exclusão e DMZ (zonas desmilitarizadas) da Coréia, o entorno das usinas nucleares de Chernobyl e Fukushima Daiichi mostram como os animais respondem quando os humanos fogem, aqueles estudos sugerem que os animais se multiplicaram em regiões agora abandonadas pelos seres humanos, apesar de impactos como as consequências nucleares que levaram as pessoas a sair “… isso não quer dizer que a radiação não prejudique os animais, mas a extensão de tais efeitos, principalmente exposições a doses baixas, permanece controversa e pode empalidecer em comparação com os impactos aos seres humanos”[viii].

Pesquisadores internacionais pensam que é realmente a destruição da biodiversidade pela humanidade que cria as condições para o surgimento de novos vírus e doenças como o Covid-19, com profundos impactos à saúde em países ricos e pobres. De fato, para alguns especialistas é possível afirmar a emergência de uma nova disciplina, a Saúde Planetária, que se concentraria nas conexões cada vez mais visíveis entre o bem-estar dos seres humanos, outros seres vivos e ecossistemas inteiros.

É possível, então, que tenha sido a atividade humana, como construção de estradas, mineração, caça e extração de madeira, que desencadeou as epidemias de Ebola em Mayibout e em outros lugares nos anos 90 e que esteja desencadeando novos terrores hoje? “Invadimos florestas tropicais e outras paisagens selvagens, que abrigam tantas espécies de animais e plantas – e dentro dessas criaturas, tantos vírus desconhecidos”, David Quammen, autor do livro Spillover: Infecções animais e a próxima pandemia, escreveu recentemente no New York Times: “… cortamos as árvores; matamos os animais ou os engaiolamos e os enviamos aos mercados. Rompemos os ecossistemas e liberamos os vírus de seus hospedeiros naturais. Quando isso acontece, eles precisam de um novo host. Muitas vezes somos nós”[ix].

O dia 26 de março é o Dia Mundial da Mudança Climática e da Adaptação à Mudança Climática, e nele o mundo estava no meio da pandemia, que deixava naquele momento mais de 50.000 mortos (hoje são perto de 240,000). Esse dia assume agora especial relevância, pois além de ser um dia importante para conscientizar a população sobre a importância de suas ações na variação climática, serve para pensar também a relação entre o surgimento de novas doenças e a devastação dos ecossistemas. Existem exemplos em que mudanças no clima modificaram a distribuição de certos organismos que transmitem doenças. É o caso da dengue, chikungunya ou a malária e “…está perfeitamente documentado que os padrões de distribuição dos organismos que transmitem essas doenças estão mudando”. De fato, “a crise do coronavírus está nos dando uma grande lição sobre a singularidade do planeta”[x], ou seja, o cenário de múltiplas interconexões existentes entre o ser humano e suas ações com todos os organismos que habitam a terra e os elementos que a compõem.

Que tipo de narrativas estão detrás daquelas imagens da natureza ocupando “os nossos espaços”? É possível pensar que a atual pandemia é uma “chamada de atenção da Terra”? O inventor James Lovelock nasceu na Inglaterra em 1919. Junto com seu colega Margulis desenvolveram a ideia de que “a Terra se comporta como um organismo”[xi] e, esse organismo poderia ser nomeado como a Gaia, a mãe terra. Um planeta pode não apenas abrigar a vida no seu interior graças à sua composição atmosférica, mas de alguma forma o planeta – este, o nosso – é a vida. Se a Terra é vida em si mesma, é possível pensar que ela pode se comportar como um organismo.

Simultaneamente, a pandemia a Gaia como organismo vivo vai mostrando à humanidade sua “capacidade de restabelecimento própria”. Assim, já no mês de fevereiro, cientistas descobriram um buraco na camada de ozônio sobre o Ártico que foi crescendo até atingir mais de um milhão de quilômetros quadrados[xii]. Era o maior já registrado, e agora acaba de se fechar. O anúncio, feito pelos pesquisadores do Serviço de Monitoramento Atmosférico Copernicus, explica que a recuperação provavelmente não teve relação com a diminuição das emissões de poluentes devido ao coronavírus e a quarentena global. Mas, um par de meses depois achamos matérias científicas que falam sobre o “o maior buraco já registrado na camada de ozônio do Ártico acaba de se fechar” e “Camada de ozônio está se recuperando e restaurando circulação dos ventos”[xiii].Com o ar mais limpo, os esforços da China para controlar o surto parecem ter reduzido a poluição do ar igualmente. Dados de satélite coletados pela NASA e pela Agência Espacial Europeia mostram uma redução acentuada nos níveis atmosféricos de dióxido de nitrogênio (NO2), que é produzido pela combustão de combustíveis fósseis em todo o país. Uma tendência semelhante à redução da poluição por NO2 também foi documentada no norte da Itália, onde as cidades permanecem bloqueadas, usando dados do satélite Sentinel-5P da Agência Espacial Europeia.

A natureza “está nos enviando uma mensagem” com a pandemia de coronavírus e a atual crise climática, segundo Inger Andersen. diretor executivo do Programa Ambiental da ONU. Andersen disse que a humanidade está pressionando demais o mundo natural com consequências prejudiciais e alertou que não cuidar do planeta significa não cuidar de nós mesmos. Os principais cientistas também disseram que o surto do Covid-19 foi um “tiro de alerta claro”, dado que existiam muito mais doenças mortais na vida selvagem e que a civilização de hoje estava “brincando com fogo”. Eles disseram que era quase sempre o comportamento humano que fazia as doenças se espalharem para os seres humanos. Para evitar novos surtos, disseram os especialistas, tanto o aquecimento global quanto a destruição do mundo natural para agricultura, mineração e habitação precisam terminar, pois ambos levam a vida selvagem a entrar em contato com as pessoas. “Nunca houve tantas oportunidades para os patógenos passarem de animais selvagens e domésticos para as pessoas”[xiv], explicando que 75% de todas as doenças infecciosas emergentes são provenientes da vida selvagem.

Direitos reservados ao autor

Personalidades visionárias como Rosa Luxemburgo, Gandhi, Fidel Castro, Hans Jonas, Ivan Illich, Jürgen Habermas, entre outros há muito tempo alertam que saques e abusos ao ambiente podem ter consequências terríveis para a saúde[xv]. Contudo, e como tem sido difundido recentemente, a jornalista Naomi Klein sentencia: “Quando as pessoas falam sobre quando as coisas voltarão ao normal, devemos lembrar que a normalidade foi a crise…, é normal que a Austrália queime alguns meses atrás? É normal que a Amazônia queime alguns meses antes?… Normal é mortal. `Normalidade´ é uma enorme crise. Precisamos catalisar uma transformação maciça em direção a uma economia baseada na proteção da vida”[xvi].

Referencias bibliográficas

LÉVI-STRAUSS, C. Introducción a la obra de Marcel Mauss, em MAUSS, M. Sociología y antropología, Tecnos, Madrid, 1991.

 

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