Por Rodrigo R. Autrán*
Na sexta-feira, 18 de novembro de 2017, ocorreu no Instituto de Geociências e no âmbito dos eventos realizados pela GEICT – Grupo de Estudos Interdisciplinares em Ciência e Tecnologia do Programa de Pós-graduação em Política Cientifica e Tecnológica (DPCT) da Universidade de Campinas (UNICAMP) o Workshop e conferência com o Professor Alessandro Delfanti, Professor Assistente de Cultura e Novas Mídias da Universidade de Toronto, que ensinou na Universidade da Califórnia-Davis, Universidade McGill e Universidade de Milão. Sua pesquisa se concentra no Trabalho Digital, no Hacking e na Economia Política de Ciência e Tecnologia. Ele é o autor de Biohackers: The Politics of Open Science (Pluto 2013) e muitos outros trabalhos.
“Biohackers explora as mudanças fundamentais que ocorrem na circulação e propriedade da informação científica. Alessandro Delfanti argumenta que a combinação do ethos da ciência do século XX, o movimento de hackers e o movimento de software livre está produzindo uma cultura científica aberta que redefine a relação entre pesquisadores, instituições científicas e empresas comerciais. Biohackers analisa o surgimento da comunidade de biologia cidadã ‘DIYbio’, a mudança para o acesso aberto pelo biólogo americano Craig Venter e a rebelião da virologia italiana Ilaria Capua contra as políticas de compartilhamento de dados da OMS. Delfanti argumenta que esses biólogos e muitos outros estão envolvidos em uma transformação de ciências da vida e sistemas de informação, usando ferramentas de acesso aberto e reivindicando independência de instituições acadêmicas e corporativas”[1].
O evento contou com a participação de estudantes de doutorado e pesquisadores pós-doutorados do programa no DPCT. Foi um espaço interessante para a reflexão onde primordialmente se falou sobre a proliferação global de espaços, fora do ambiente acadêmico, onde as iniciativas relacionadas ao Biohacking estão sendo realizadas. O Workshop e a palestra foram organizados pelos pós doutorandos Luis Reyes-Galindo [GEICT, DPCT], Clement Bert-Erboul [FAPESP, DPCT] e Gil Vicente Nagai Lourenção [FAPESP, GEICT, DPCT], com o apoio do Prof. Marko Monteiro. O evento contou com financiamento do Programa de Pós-Graduação em Política Científica e Tecnológica e do Laboratório de Estudos Avançados de Jornalismo, (Labjor).
Na atualidade do mundo
Coincidentemente, durante esta mesma semana, uma notícia surgiu em muitos meios de comunicação internacionais, de um dos projetos mais recentes do biohacker Josiah Zayner. O bioquímico removeu a miostatina de seu corpo, uma proteína que inibe o crescimento muscular e visa tornar-se um “super-humano” modificando seu DNA.
Josiah Zayner, um bioquímico da Rogue Research e ex-funcionário da NASA, tornou-se a primeira pessoa a alterar seu DNA usando o sistema CRISPR, uma tecnologia única que permite facilmente alterar as sequências de DNA e modificar a função do gene. “Esta é a primeira vez na história que deixamos de ser escravos de nossa genética”, diz Zayden, que se gravou injetando-se com uma cópia modificada de seu DNA para mostrar aos seguidores do canal do YouTube.
O Dr. Josiah Zayner é um líder global no movimento BioHacker, constantemente empurrando os limites da Ciência fora dos ambientes tradicionais. Ele começou o BioHacking durante seu Ph.D. em Biofísica Molecular na Universidade de Chicago, criando The Chromochord em seu apartamento, o primeiro instrumento musical do mundo que usa nanotecnologia de proteínas. Após seu Ph.D., Josiah recebeu uma bolsa de renome para trabalhar com o programa de Biologia Sintética da NASA, engenharia de bactérias para ajudar na terraformação de Marte. Agora ele é o fundador e CEO da The ODIN [2].
Josiah tem uma série de publicações científicas e prêmios por seu trabalho em engenharia proteica e genética e também é destinatário de prêmios de arte para criar trabalhos de Ciência Especulativa que foram apresentados em museus em todo o mundo, incluindo NY MoMA Seu trabalho foi apresentado em Time, Scientific American, Popular Science, Businessweek, The Verge e NPR, entre muitos outros [3].
No vídeo, o biohacker mostra algumas das substâncias que ele usou para manipular seu próprio corpo. Ele também fala em profundidade sobre como é possível às pessoas acessar esse tipo de tecnologia.
Ao longo da história científica moderna, outros pesquisadores já tentaram experimentar com seus corpos. Este foi o caso de David Brewster, inventor do caleidoscópio, quase ficando cego devido às experiências que ele fazia consigo mesmo. Outro cientista, Alexander Bogdanov, morreu de tuberculose e malária após a contração de germes através de seus experimentos de transfusão de sangue.
Neste vídeo “How to Genetically Engineer a Human in Your Garage” o biohacker mostra-nos como injetar-se para manipalar seu próprio DNA.
O conceito “faça você mesmo” abreviado como HUM, HTM, HVM ou DIY (de sua sigla em Inglês Do It Yourself), é a prática de fabricação ou reparação de coisas por si mesmo, para que você economize dinheiro, entretém-se e você aprende ao mesmo tempo.
DIY Biology, DIYBio ou mesmo Garage Biology (em referência aos começos da revolução do computador) é um movimento de ciência cidadã internacional que tenta criar uma versão acessível e distribuída de biologia, através de soluções tecnológicas de baixo custo, e principalmente fora dos ambientes convencionais de biologia (a universidade e empresas de biotecnologia). Ao contrário da biologia institucional, muitos profissionais de biologia de DIY não possuem educação acadêmica nesta ciência, mas adquirem suas noções e a praticam graças ao apoio da comunidade.
No entanto, deve ser esclarecido que existem controvérsias no assunto. O movimento da biologia DIY, como a biologia sintética, tem sido objeto de inúmeros artigos de imprensa em que argumentos como a “síndrome de Frankenstein” são usados para criar um estado de alarme em torno disso, associando-o ao bioterrorismo.
Na realidade, os principais laboratórios de biologia de DIY são monitorados pelas agências estatais de diferentes países para garantir que suas atividades não apresentam nenhum perigo e às vezes até colaboram com eles. Por exemplo, em 2012, o FBI organizou uma conferência sobre Biologia e Segurança DIY na Califórnia, Estados Unidos, que contou com a presença de representantes dos principais laboratórios dos EUA. No entanto, os riscos apresentados por este tipo de ciência até agora são relativamente baixos.
Os próximos passos
No Workshop com o Professor Alessandro Delfanti falou-se sobre como a situação atual dos projetos DIYBIO é incipiente, pelo menos na realidade de países latino-americanos como o Brasil. As experiências reconhecidas são criadas fundamentalmente fora dos campos acadêmicos, mas, sabe-se que ainda talvez demore alguns anos para a biotecnologia, que existe a décadas, deixar de ser encarada como coisa de ficção científica. Projetos de DIY Bio são considerados ainda “marginais” na academia. Para alguns dos biohackers que trabalham na realidade latino-americana o movimento DYI é fundamentalmente uma posição política (ética e biológica) frente as novas reformas estruturais nos âmbitos tecnocientíficos, educativo e de saúde.
Além de tudo, uma iniciativa identificada é O Clube de Biologia Sintética um grupo acadêmico-estudantil organizado por graduandos e pós-graduandos da Universidade de São Paulo. Seu intuito é promover discussões sobre Biologia Sintética e suas áreas correlatas, como Biologia, Matemática, Engenharias, Energia, Física, Química, Biotecnologia, divulgação científica e outros assuntos de âmbito social e científico [4].
Desta forma, sabe-se que as iniciativas atuais de biohacking representam uma prática que tem como um dos seus objetivos a abordagem da ciência para a cidadania; elas buscam levar os laboratórios de pesquisa para as garagens ou casas do público em geral. Talvez no futuro próximo, com uma maior difusão e compreensão desses laboratórios de garagem, uma nova forma de relacionamento entre cidadania e ciência poderá emergir, unindo a manipulação biológica e o empoderamento dos indivíduos em seu direito pelo corpo.
NOTAS
[2] Mais informações no site: http://www.the-odin.com/about-us/
[3] Mais informações no site: http://josiahzayner.com
[4] Mais informações no site: https://extensaoicbusp.wordpress.com/projetos/clube-de-biologia-sintetica/
* Rodrigo R. Autrán é doutorando no Programa de Pós-Graduação em Política Científica e Tecnológica no Instituto de Geociências da UNICAMP e integrante do Grupo de Estudos Interdisciplinares em Ciência e Tecnologia (GEICT).
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