Por Dr. Gil Vicente Nagai Lourenção*
No dia 17 de Novembro de 2017 ocorreu na Sala A do Instituto de Geociências o Workshop e a conferência do Professor Alessandro Delfanti [Universidade de Toronto] organizada pelo GEICT – Grupo de Estudos Interdisciplinares em Ciência e Tecnologia – do Departamento de Política Científica [DPCT] da Universidade de Campinas [UNICAMP]. O evento foi organizado por membros do GEICT, com o apoio do DPCT e do LabJor – Unicamp [1]. O Prof. Dr. Alessandro Delfanti, é Docente Assistente de Cultura e Novas Mídias da Universidade de Toronto, tendo lecionado na Universidade da Califórnia-Davis, Universidade McGill e na Universidade de Milão. Sua pesquisa se concentrou ao longo dos anos em torno da produção tecnológica de Hackers, Bio-Hackers, na Economia Política da Ciência e Tecnologia, incluindo análises de dispositivos e ferramentas tecno-científicas, trabalho digital e precarismos, dentro das Open-Sciences. Um dos livros famosos do autor é o chamado ‘Biohackers: The Politics of Open Science’ (Pluto, 2013) [2].
Dr. Luis Reyes-Galindo (UNICAMP) faz uma breve introdução sobre o prof. Alessandro Delfanti (University of Toronto) no início do evento.
Sobre o workshop
A partir das 10h da manhã iniciamos com a discussão de um capítulo inédito do Professor Delfanti, que se pretendia discutir Do it yourself Biology e experiências concernentes a essa prática não linear de ciência. Também nos propomos a discutir nossas próprias pesquisas no GEICT e no DPCT, aproveitando essa leitura transnacional com a presença do referido professor.
Em termos gerais, o workshop foi delimitado em suas bases por duas linhas paralelas de discussão, sendo a primeira delineada pelo capítulo inédito já apontado- Distributed Biotechnology – a partir da qual discutimos as pesquisas em torno da DIYBio, open science, etnografia digital e engajamento de e nas pesquisas dos Estudos Sociais da Ciência e da Tecnologia, quando o pesquisador doutor Gil Vicente Nagai Lourenção pode apresentar em linhas gerais sua pesquisa em relação à DIYBio e na noção hodierna de Ciborgues, descrevendo seus resultados preliminares e a segunda, denominada Researching and publishing in the digital era: the new rules of the academic game, na qual discutimos a política e a economia das publicações e pesquisas da era digital, sendo que nesta seção pudemos conhecer os resultados preliminares do pesquisador Doutor Luis Galindo em torno de suas pesquisas e análises relativas aos sites Open Source de divulgação científica e de suas pesquisas relativas à Inovação Responsável. E igualmente as pesquisas do Doutor Clément Bert-Erboul, relativas a open sources, redes e suas análises. Além destes pesquisadores, contamos com os comentários do Professor Doutor Marko Monteiro em respeito às suas pesquisas e a relação com as pesquisas descritas naquela manhã, e mais comentários de dois pós graduandos do DPCT e contamos igualmente com a presença da Bio-Hacker Clarissa Reche – USP São Paulo, descrevendo suas experiências e produção DIY na cidade de São Paulo.
A respeito de suas considerações, destacam-se, em primeiro, sobre as recentes biotecnologias, incluídas aquelas alcunhadas pelo termo Do It Yourself Bio, ele considera que seu estudo é importante, não tanto pelo relativo caráter revolucionário de suas práticas, mas sim pelo caráter aberto, não ainda fixado em trilhos acadêmicos, incluindo uma noção de pessoalidade de suas práticas e pesquisas, permitindo que se tenha ciências produzidas em nível pessoal e local. Em segundo lugar, muitos pesquisadores estão tomando os termos DIYBio como um passo em direção a uma via realmente democrática do fazer biotecnológico. Em terceiro, mais propriamente a respeito da biotecnologia, quando se pensa este movimento acéfalo [porque não possui centro e chefia] enquanto uma tentativa de re-moralização de sua produção no nível local, ganha-se um poder de análise por meio da consideração – no nível das pesquisas – de que, ao se construir um dado objeto biológico, talvez haja uma contribuição no sentido de moralizar o mercado por meio de uma desregulação do trabalho em torno de sua produção. Em quarto, os fenômenos correlativos à bio-arte e o manifesto bio-punk trazem um terreno de observação de como este fenômeno pode levar a uma liberdade de uso e de produção de organismos bio-tecnológicos, negando a princípio que este tipo de pesquisa seja monopolizada por universidades, governos ou laboratórios corporados. Ao fim, o professor Delfanti ofereceu uma leitura interessante a respeito de como se constrói essa noção de pessoalidade nas biotecnologias, citando exemplos retirados do Vale do Silício, do evento International Genetically Engineered Machine – um congresso organizado pelo Massachusets Institute of Technology [MIT] e diretamente das práticas DIYBio. Em sua conclusão, destaca-se que há certa ligação interpretativa entre a dinâmica de construção dos computadores na década de 1970 e a questão atual presente na DIYBio, a saber, a tendência a procurar saídas para algo com mais significado na Biologia e nas Bio-Hackings, fora do domínio de grandes companhias e governos. E nisso, ou seja, no caráter aberto da evolução política e tecnológica da biologia tecnológica, ainda está por continuar a se fazer, ao menos por algum tempo, ainda em caráter aberto.
Sobre a Palestra
Na parte da tarde deste dia pudemos assistir a palestra denominada: “Academia as a Financial Market of Ideas. The Political Economy of Social Media for Academics”, do Professor Delfanti, cujo apoio do LabJor, do DPCT e diretamente do Professor Marko Monteiro foram fundamentais para que este evento pudesse ocorrer.
Esta palestra objetivou desenvolver uma argumentação e uma interpretação dos sites de divulgação científica tais como o Academia.edu e o Research Gate, oferecendo a ideia de que esses sites, ao permitirem uma divulgação do trabalho dos pesquisadores, legitimando a produção desses enquanto pesquisadores acadêmicos produtivos ao mesmo tempo em que garantem novas métricas para análises dos trabalhos e os ranqueamentos correlativos, trazem problemas na inserção e permissibilidade de análises dessas mesmas produções. Igualmente essa produção – tomada como objeto de análise – tende a intensificar o trabalho acadêmico e a inserir uma sempre crescente regra epistêmica de produção, como parte de uma tendência já observada no trabalho acadêmico em torno de sua precarização por meio de uma calculabilidade dos outputs da pesquisa acadêmica. Dessa forma, tanto os usuários quanto os instrumentos de análise de produção devem lidar com novas formas de controle dessa produção e a correlativa lógica algorítmica que governa esses sistemas. O argumento central defendido na conferência vai na linha de uma nova forma disciplinar, uma forma muito próxima da que governa as redes sociais, de intensificar o caráter disciplinar do trabalho acadêmico no nível pessoal. Visando entender essas novas plataformas, o Doutor Delfanti atualizou as ideias de Merton a respeito da ciência produzida a partir dessas plataformas como um ‘Mercado de Ideias’, pela proposição de uma nova metáfora econômica no entendimento deste mercado de trabalho acadêmico, por meio dos estudos sociais das finanças, propondo que essas mídias e plataformas sociais levam a uma re-conceitualização da academia como um ‘mercado financeiro de ideias’ [algo como uma bolsa de valores acadêmica]. Ao fim e ao cabo, a palestra lidou com a defesa destes conceitos e com a discussão a partir dessa forma de análise no sentido de entender este novo fenômeno de produção acadêmica voltada a inserção e validação de pesquisadores no mercado de trabalho acadêmico, marcado por uma lógica neo-liberal de produção e avaliação, levando a uma ampliação da já extensa precarização deste mesmo trabalho.
Após a palestra, tivemos a oportunidade de fazer perguntas e ampliar o escopo analítico do texto a partir de uma série de pontos de vista e objeções diferentes, retornando às duas linhas paralelas de discussão, a partir das quais a ciência, as iniciativas abertas e sua divulgação tiveram um espaço de reflexão.
*Gil Vicente Nagai Lourenção é doutor em Antropologia pela Universidade Federal de São Carlos (2016). Atualmente é pós-doc no Departamento de Política Científica e Tecnológica no Instituto de Geociência (UNICAMP). Tem experiência na área de Antropologia Social e atua principalmente nos temas: Antropologia do e no Japão, construção e fragmentação do Corpo, Ciborgues, DIYBio e interfaces humano-máquina.
Notas
[1] O evento foi organizado pelos pesquisadores : Luis Reyes-Galindo [FAPESP, GEICT, DPCT], Clement Bert-Erboul [FAPESP, DPCT], prof. Marko Synésio Alves Monteiro [GEICT, DPCT], Gil Vicente Nagai Lourenção[FAPESP, GEICT, DPCT] com o apoio do Departamento de Politica Científica e Tecnológica (DPCT), Universidade Estadual de Campinas, Unicamp e do Laboratório de Estudos avançados em Jornalismo (Labjor), Universidade Estadual de Campinas, Unicamp.
[2] Maiores informações podem ser obtidas em: www.delfanti.org
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